A decisão do governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), que exige a apresentação de testes negativos de Covid-19 ou comprovantes de vacinação completa contra a doença para liberar a presença de fiéis em cerimônias religiosas com mais de 300 pessoas deixa em risco a liberdade religiosa. Além de pôr em xeque direitos fundamentais, o decreto também arrisca a colaboração que as igrejas do país proporcionam aos estados na prevenção à doença.
O diagnóstico é do vice-presidente do IBDR (Instituto Brasileiro de Direito e Religião), Jean Regina. Em entrevista ao R7, o jurista explica que as igrejas têm maturidade suficiente sobre a pandemia e, por consequência, sobre como adotar medidas para evitar a contaminação.
"Vivemos uma laicidade brasileira que é colaborativa, a Igreja está colaborando com o Estado. As autoridades religiosas já tinham uma maturidade para entender a complexidade do problema. Mas o grande perigo de o estado criar restrições à liberdade religiosa é que queiram construir raciocínios no sentido de tolher a liberdade religiosa", alerta.
Para a presidente da Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos), a advogada Edna Zilli, o decreto representa uma medida arbitrária porque, segundo ela, é possível combater a disseminação da pandemia com a adoção dos protocolos sanitários recomendados. “Não é comum esse tipo de exigência para igrejas, porque fere tanto a liberdade religiosa quanto o direito à objeção de consciência”, afirma.
“Além disso, nem todos tiveram acesso à vacina em todas as etapas da imunização ou possuem meios de fazer exames a cada agenda religiosa, que costuma ser em vários dias da semana”, completa.
A presidente da associação concorda que a decisão do governo de Pernambuco fere direitos constitucionais. “Essa exigência representa uma ofensa ao direito constitucionalmente consagrado da liberdade religiosa, visto que constitui um embaraço a uma de suas dimensões basilares que é o livre exercício de culto”, diz.
De acordo com o jurista do IBDR, a determinação, que consta em um decreto editado na segunda-feira (27) pelo governador de Pernambuco, fere o núcleo central da liberdade religiosa: os cultos. Além disso, é considerada desproporcional ao atual momento de controle da pandemia no país.
"A religião tem um papel fundamental na saúde mental das pessoas. O culto é um núcleo central do exercício da religião. Se a autoridade religiosa estabelece o culto como essencial, é fundamental que a pessoa compareça a esse espaço para professar sua fé", explica Jean.
"O que acontece é que, muitas vezes ao longo dos meses de 2020 e 2021, vimos que algumas atitudes de gestores municipais e estaduais foram desproporcionais com relação à atividade religiosa, em que pese a atividade ser considerada essencial à vida humana, gerando questionamentos judiciais", acrescenta.
Segundo o jurista, Pernambuco foi um dos estados brasileiros que determinaram mais restrições aos cultos. "O estado criou restrições para lives, coisa que não perdurou, e agora estamos nesse momento em que há a obrigação de apresentar quadro vacinal completo ou o teste negativo", explica.
Jean, do IBDR, esclarece que a exigência afronta dois direitos, da liberdade de crença e da religiosa. "O núcleo essencial da liberdade religiosa é o culto que se faz no templo presencialmente", afirma.
O jurista explica que, num país em que menos da metade da população conseguiu completar o esquema vacinal contra a Covid-19, a decisão do governo de Pernambuco é considerada injusta. "Não tem para todo mundo, se tivesse a maioria das pessoas estaria já vacinada", argumenta.
A outra possibilidade, de fazer testes, é considerada pelo jurista uma opção custosa e invasiva. "É um procedimento invasivo, ruim, caro e, às vezes, não é de fácil acesso. Um fiel que participa de dois cultos por semana teria de gastar de R$ 200 a R$ 300 para poder ir à igreja. É uma decisão injusta porque estamos na fase menos gravosa da pandemia e a medida é absolutamente restritiva, fere a isonomia constitucional e impõe um peso aos cidadãos que querem professar sua fé", diz.
A presidente da Anajure afirma que a exigência pode gerar uma falsa segurança e o consequente relaxamento nas medidas sanitárias. “Isso pode gerar contaminação, haja vista que as vacinas não têm garantido a imunização total, e a vacinação não está com todas as etapas concluídas.”
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